El Dorado: a busca exterior e a busca interior

El Dorado: a busca exterior e a busca interior

por Patanga Cordeiro

A própria busca pela verdade

Não é somente desafiadora e gratificante,

Mas também iluminadora e preenchedora.

- Sri Chinmoy

Na veia do canal, que é tanto falar dos jogos quanto sobre coisas inspiradoras relacionadas aos temas dos jogos, vou começar o review de hoje de “A Busca por El Dorado” com uma anedota oriental, recontada a mim por Sri Chinmoy e aqui nas minhas próprias palavras:

O cervo é um animal que exala o almíscar, uma substância que possui uma fragrância única. Um certo cervo sente o cheiro de almíscar, e corre e corre procurando a fonte dessa fragrância, sem nunca encontrá-la. Em completa exaustão, ele acaba caindo de um precipício. Mas a fragrância que procurava estava em si mesmo.

A Busca pela terra mítica de El Dorado

Fiquei sabendo desse jogo pela equipe do Shut Up and Sit Down, que faz os meus reviews favoritos e também possui um gosto para jogos bem parecido com os meus.
O jogo é um deck-builder de corrida. Os jogadores competem para alcançar a mítica e nunca descoberta cidade de ouro dos maias no meio da floresta amazônica. (Não confundir com Eldorado/SP, que já foi descoberta pelo menos pela sua população de 15 mil habitantes, nem El Dorado dos Carajás/PA, onde ocorreu o famoso massacre no século XVIII e por isso supomos com bastante certeza que foi descoberta também.)
Ele funciona de forma bem rápida, é bem humorado e é um dos jogos que mais joguei até agora dentre os últimos que comprei. Isso é um bom sinal de um grande jogo – o melhor sinal, talvez!

A mecânica – corrida + deck-building

Toda rodada você compra quatro cartas do seu baralho pessoal. Cada carta deixa você atravessar selvas (abrindo espaço na mata fechada com seu machete), lagos e rios (com sua canoa e remos improvisados), ou desertos com acampamentos (usando dinheiro - é isso mesmo???) Tem as montanhas também, mas essas não dá para atravessar (ou dá? Na expansão dá!)
A parte interessante é que as cartas que você não usa para se movimentar deixa que você compre cartas (sempre mais poderosas) do mercado de cartas. Aí o jogo passa a ser um equilíbrio entre ficar para trás e comprar ótimas cartas para depois voar, ou seguir em frente e tentar chegar antes em El Dorado dos outros terem chance para usar suas melhores cartas várias vezes e compensar o atraso inicial.
As cartas novas do mercado são bem legais. Elas incluem avião anfíbio (que faz você andar por qualquer terreno, mas você perde a carta depois de usar), faz-tudo (que faz tudo, mas não muito bem), milionário (que dá um monte de dinheiro para você comprar novas cartas), etc.
A cada partida você usa alguns dos elementos do tabuleiro modular, de acordo com a dificuldade desejada. A estratégia também envolve escolher o melhor caminho: mais longo e mais fácil, ou mais difícil e mais curto. Os demais jogadores também obstruem o caminho, então às vezes você toma um percurso mais longo para não perder a rodada.
O elemento sorte é super presente, mas limitado pelo fato de que, se as suas cartas ruins vierem nesta rodada, na próxima virão as boas… mas e o timing? Se pegar as cartas de atravessar lagos na hora de cruzar a selva, e depois as de cruzar a mata quando chegar na água, você vai ficar para trás. Mas, quem sabe, vai ficar bloqueando o caminho do coleguinha que estava atrás de você!
Um possível ponto fraco do jogo foi que pode dar um certo AP (quando alguém fica pensando um tempão antes de jogar), que senti que foi nas horas de comprar as cartas novas do mercado de cartas. Tem tantas opções, e você tem que planejar bem. Nós começamos a jogar antecipado – ou seja, assim que você termina a sua jogada, já compra as cartas e planeja o seu turno todo. Quando chega a sua vez, é só jogar!

Mais cartas, maldições e os heróis

Ele tem uma expansão chamada Heroes and Hexes (Heróis e Maldições), e que achei muito legal. Os heróis são as cartas superpoderosas do jogo, e as maldições são espaços onde você consegue andar de graça, sem usar cartas… só tem um detalhezinho… que você fica com uma maldição. Essas maldições são diversas e dão um elemento bem divertido e de surpresa. No último jogo em que participei, eu me arrisquei a pegar umas quatro maldições em seguida em troca de um super atalho, e acabou que deu certo!
Também há túneis malditos… você entra num canto e sai no outro do tabuleiro… mas o preço você só fica sabendo depois de sair!
Tem umas cartas legais, como o geólogo, que deixa você atravessar as montanhas (que são os obstáculos em geral intransponíveis do jogo), e o xamã, que usa seus espíritos da floresta para deixar você cruzar qualquer terreno difícil, mas em troca você ganha um encosto (maldição) dos espíritos do novo lugar onde se meteu…
As maldições são uma das coisas mais legais dentre as mecânicas secundárias do jogo.

E a outra parte do review?

Sou entre flor e nuvem,

estrela e mar.

Por que havemos de ser unicamente humanos,

limitados em chorar?

-Cecília Meireles

Todos os reviews do canal tem um propósito secundário de usar o tema para voltarmos a perceber conscientemente algo que vai além do banal. Em outros reviews falei sobre as Nações Unidas, sobre a Segunda Guerra Mundial, sobre competir x ser feliz, mas, hoje…
Vocês já viram como tudo que existe no mundo físico, de alguma forma, se espelha numa realidade interior preexistente? Aí é que começam a acontecer aquelas “coincidências”. Por exemplo, você está pensando no seu amigo Fulano. Aí atravessa a rua e dá de cara com ele! Você pensa “puxa, como seria bom que tal coisa acontecesse.” Depois de uma semana, tal coisa acontece. Tem algo ou alguém ouvindo você, pode crer. Ou, então, você está ouvindo algo ou alguém que está planejando tudo, e por isso tem ideias ou percepções sobre coisas que logo acontecerão.

A busca do “El Dorado interior”

Essa busca pela riqueza em ouro que haveria na mítica cidade de El Dorado, para mim, é uma versão mais exterior da busca interior a que a história que abriu esta análise conta… que temos a riqueza da qual realmente precisamos dentro de nós. Cada um dá a essa riquea um nome diferente, justamente porque cada um é cada um. Uns a chamam de alma, outros de Deus, outros de “algo, não sei o quê”, outros de felicidade ou satisfação e outros ainda nem sabem que estão buscando por algo, mas é justamente essa busca por algo que impele grande parte das suas ações diárias, ainda que de forma consciente. O Mestre espiritual Swami Vivekananda disse que (nas minhas palavras, pois não achei o original) o amor que o alcoólatra tem pela bebida é o mesmo que o amor que a mãe tem pelo filho e é o mesmo que o buscador tem por Deus. No entanto, no caso do alcoólatra, esse amor está direcionado a uma coisa relativamente mais baixa. Se ele direcionar para algo mais elevado, a sua capacidade de amor se consagra no objeto da sua busca, o Divino. Muitos santos tiveram vidas de bandidos, assassinos e diversos estereótipos negativos. Eu não sou cristão, mas um dos meus ídolos favoritos foi Saulo. Ele era um soldado romano que caçava e matava os primeiros cristãos. Até que ele teve uma experiência interior e passou a divulgar os ensinamentos interiores que recebeu do Cristo. Inclusive, em referência à sua nova vida, que mudou da noite para o dia, ele trocou de nome (passando a se chamar Paulo, que dá nome à nossa cidade de São Paulo). Depois de fazer muito, ele passou uma boa parte da vida apodrecendo na prisão romana, e ainda assim continuava a servir, escrevendo as cartas que conhecemos hoje no apêndice do novo testamento. Eu fico completamente emocionado e inspirado ao ler esses textos.
Ontem mesmo eu estava pensando “Por que eu como?”. Eu poderia dizer que como para me manter vivo. Mas “me manter vivo” eu poderia dizer que é só uma ação, e não um propósito. Eu como porque Deus precisa que eu esteja vivo – para mim isso faz sentido. Agora, por que Ele precisa que eu esteja vivo… acho que é o propósito, justamente, da vida. Somos todos buscadores.
Termino com mais uma história curta que é bem conhecida, mas fui introduzida a ela pelo meu Mestre Sri Chinmoy:

Um lenhador se embrenhou numa floresta, até que encontrou árvores de sândalo. A casca dessa árvore é muito valiosa e usada para fazer perfumes, cremes, protetor solar, etc.

Ele pensou: “fiquei rico!”. Mas, em seguida, pensou: “Se aqui tem sândalo, será que não há algo mais valioso ainda mais adiante?”

Ele seguiu em frente, e encontrou prata. E seguiu mais em frente, e encontrou ouro. E seguiu mais em frente e encontrou diamantes.

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PS: Se tiverem comentários, ideias sobre o que escrever, se gostaram ou desgostaram particularmente de algo que escrevi ou de que parte do texto (sobre o jogo em si ou sobre a abordagem secundária do tema), serei grato pelo feedback nos comentários, para eu saber um pouco mais como posso servir melhor.

Com gratidão,
por Patanga Cordeiro

  • comecei no hobby em 2018 (apesar de sempre gostar, não tinha com quem jogar)
  • voluntário de cursos de meditação