Épico total! Odyssey, a Ira de Poseidon(ou O Patinho Feio)

Homero

Ó poeta inigualável – um louco mistério velou

Tua vida imorredoura. Muito pouco da tua Verdade

A nossa mente colhe do cerne sonolento da história.

Tuas vastas aventuras, Ilíada e Odisseia,

São chamas fulgurantes de sóis-guerreiros.

Cego como uma pedra, foste a luz da Grécia.

Sempre a nação vive no teu mar de enorme orgulho.

-Sri Chinmoy

Já viram como o patinho feio, na verdade, era um cisne e fica tão digno depois que você olha com paciência?
Primeiro vamos para a introdução do tema, seguida pela já usual divagação a que pode nos levar – espero que mais alto, ou mais fundo, ou mais longe.

Contexto do jogo: como funciona?

O guerreiro Odysseus (personagem principal da Odisseia), estava voltando “da grande batalha entre os gregos e troianos” (resumi um outro livro de 500 páginas entre essas “aspas”: a Ilíada). No caminho, lida com ninfas, monstros aquáticos, desafios, etc. Odysseus fez algo que Poseidon não gostou e, por isso, jogou a fúria do oceano contra ele (é onde se ambienta o nosso jogo Odyssey, a Ira de Poseidon).

Agora você volta a ser o Odysseus. Em uma das suas paradas, você precisa chegar numa certa ilha, para obter informação sobre como voltar para Ithaca, a sua terra natal (e lá vai ter uma surpresa: mais desafios!).

Parece muito fácil, pois você sabe a direção. Mas Poseidon começa a lançar tempestades nos mares, fazendo com que você perca a referência cada vez que pega uma tempestade. E precisa estimar onde está pelas ilhas e águas que encontra depois que a tempestade passar. Ou seja, você acha que está indo para o lugar certo e espera encontrar uma ilha rochosa após algumas horas de viagem a norte. Mas e se, depois de dois dias, não houver sinal de terra?

Isso, meus amigos, é Odyssey!

História da Odisseia e um pouco mais

Eu nunca tinha lido nem a Ilíada e nem a Odisseia. Mas li depois de jogar esse jogo. Uau! Que história! Enfim, um verdadeiro épico. Muitas coisas que vemos hoje nos RPGs e desenhos animados vieram daqui. Homero (exatamente, é o mesmo que dá o nome ao nosso querido Homer Simpson) escreve tão bem que até a tradução do poema (é um poema!) é bonita. Dá até para ver que foi inspirado pelo Mahabharata.

Mas…

https://storage.googleapis.com/ludopedia-posts/9ce61_2eakjl.jpeg

Mais do que isso em comprimento, profundidade, simbolismo e espiritualidade é só o Mahabharata indiano, que é a maior obra literária existente (também um poema épico – umas 10 vezes maior que a bíblia em volume). É como se fosse um relato da Índia e seus países vizinhos em todos os aspectos – social, moral, dramático, religioso, espiritual, geográfico, histórico – abstraindo para a criação do mundo e chegando aos dias de hoje (na história, por volta de 5000 a.C.). A Batalha de Kurukshetra durou 18 dias e possui descrição de todas as lutas, em detalhes. Quantas flechas Satyaki aceitou em Bhurishravas antes de ele cair no chão; como Bhima derrotava elefantes de guerra com a sua maça, golpeando também o condutor do elefante antes mesmo que caísse no chão. Armas ancestrais (mágicas) que fazem cavaleiros do zodíaco parecer uma briga no parquinho da escola depois do horário. Aliás, com certeza essas obras foram inspiradas nas batalhas do Mahabharata. É uma obra que tem tudo, mas tudo mesmo. O legal é que é tudo tão sutil. Você consegue ver que até os personagens “maus” são pessoas completas, e tem seus motivos e um propósito a ser cumprido (um deles é, através da oposição que trazem, tornar os “bons” famosos e guardar seus nomes como exemplo para o futuro da humanidade).

Assim como a Bíblia tem seu ápice no Novo Testamento, que retrata as ações do Cristo, o Mahabharata é apical no Bhagavad Gita, que retrata o discurso de Krishna ao seu discípulo Arjuna. Arjuna estava diante da Batalha de Kurukshetra, onde teria de lutar contra seus familiares que tinham caído do caminho da verdade. Krishna o ilumina em moral, ação correta, regras dietéticas, meditação, história e espiritualidade. O livro é curto (dá para ler em algumas horas) e tão bom que muitos orientais não lêem nada mais do que isso, todos os dias. Ou seja, acorda, lê o livro inteiro, e começa o dia. Dia seguinte, mesma coisa. Daqui a vinte anos, mesma coisa. Os cristãos fazem o mesmo com a Bíblia, e outras denominações também. Eu já li os livros do meu Mestre umas 5 vezes, e continuo lendo pela sexta vez.

Se isso parece fanatismo religioso, espere só até você ler o Bhagavad Gita ou outro texto com que você realmente se identifica. Aí você vai entender. Cada coisa que você vê hoje, amanhã tomará uma proporção maior e terá um significado maior. É como se fosse o cruzeiro do sul orientando você na noite estrelada para onde ir. Você vê ele hoje, mas quer ver ele de novo amanhã, até chegar na sua meta.

E você chega.

Então você mesmo se torna um farol para os outros navegantes. Cristo, Buda, Krishna e muitos outros já fizeram a viagem e voltaram para nos mostrar o caminho.

Gosto tanto que fiz uma tradução de uma versão comentada do Bhagavad Gita completa nesta página para quem tiver interesse (e vale muito a pena) – tem o PDF gratuito para você baixar e muitos outros recursos de vídeo, filmes, livros impressos, etc.

https://storage.googleapis.com/ludopedia-imagens-jogo/49055_37308_m.jpg

Voltando ao Jogo: “O Patinho Feio”

Peguei o Odyssey, que foi lançado custando seus 250 reais, numa troca pelo Peloponnes Card Game, que comprei por uns 75 reais. Eu vejo um ou dois Odyssey aqui na lista de trocas da ludopedia por meses a fio, sem encontrar dono. Seu preço de venda caiu muito, na faixa de 30% do preço de venda original. Dá vontade de chorar. O engraçado é que foi um dos jogos que foi um hit imediato com meus amigos!!! Eu queria dizer para vocês irem comprar/trocar ele, porque é muito bom!

Jogamos uma vez, e depois outra logo em seguida. De noite, jogamos de novo, e mais uma vez, até uma ou duas horas da manhã. Dia seguinte? De novo.

Basicamente, você tem que ir se movendo meio no escuro, sem ter certeza de onde está, mas achando que pode estar aqui ou ali. Um dos jogadores é o Poseidon, que tenta atrapalhar os demais da melhor forma possível. Cada rodada ele atrapalha um dos jogadores e, de vez em quando, consegue atrapalhar todos ao mesmo tempo!

Para variedade, tem quatro mapas diferentes e elementos opcionais, como redemoinhos, faróis, Krakens e Leviatãs que podem ser adicionados ao jogo para aumentar ou diminuir a dificuldade.

Jogamos só entre engenheiros (eu larguei na metade engenharia química porque comecei a trabalhar, outro colega também, um é engenheiro mecânico, outro de materiais, outro estuda engenharia naval).

Você esperaria que lógica espacial seria moleza para todos, né!? Sim, até que eu, jogando contra os jogadores como Poseidon, ouço um deles falando para os outros: “Estou aqui com certeza. Não pode ter outro lugar. Sei com certeza absoluta que estou na tal coordenada. Esse Poseidon tá fraco!” A parte engraçada é que ele estava muito longe de onde achou e, na próxima rodada, após fazer “aquele movimento certeiro”, teve a surpresa de se perceber completamente perdido, sem referência nenhuma, de tanto confiar no julgamento anterior que teve.

É, foi inesquecível e muito divertido! Para mim, que já sabia de tudo e não podia rir antes dele perceber por conta própria, foi mais engraçado ainda. Tive que me aguentar!


PS: Se tiverem comentários, ideias sobre o que escrever, se gostaram ou desgostaram particularmente de algo que escrevi ou de que parte do texto (sobre o jogo em si ou sobre a abordagem secundária do tema), serei grato pelo feedback nos comentários, para eu saber um pouco mais como posso servir melhor.

Todos os artigos do canal A Game Means Happiness

Com gratidão,
por Patanga Cordeiro

1 curtida